Aumento do preço dos alimentos é o maior do capitalismo, diz professor
Uma das grandes autoridades brasileiras em agricultura e alimentação, o professor Fernando Homem de Melo, da Universidade de São Paulo, está convencido de que: a) o aumento mundial no preço dos alimentos veio para ficar e pode ser ainda maior; b) os efeitos negativos serão proporcionais à renda de cada país e cada familia; c) os programas de auxílio às populações carentes devem ser ampliados e reforçados, pois não há remédio de mercado a curto prazo.
"No Brasil, já está na hora do governo reajustar o Bolsa Família," avisa o professor. "A comida está subindo e os benefícios do Bolsa Família serão anulados se não houver um reajuste de acordo com os novos preços da cesta-básica."
Conforme o Dieese, o preço da cesta básica subiu no país inteiro. Entre 2007 e 2008 ocorreram altas de 16,1% em São Paulo, 21,2% em Goiania, 11,6% no Rio de Janeiro e 18,7% em Vitória.
Fernando Homem de Melo acompanha a agricultura internacional com paciência e método. Em seu escritório, na Faculdade de Economia e Administração da USP, vive cercado de obras de referencia e números sobre os preços internacionais da soja, do algodão, do trigo, do milho, do arroz e do café. "Não existe, na literatura econômica mundial, um exemplo de uma alta tão grande e tão rapida de preços como a que estamos assistindo agora," diz ele, referindo-se a uma etapa da história humana que teve início há quase quatro séculos.
O professor está convencido de que o ex-deputado suiço Jean Ziegler tem razão em sua crítica ao etanol, que definiu o etanol como um "crime contra a humanidade." Fernando Homem de Melo não gostou do estilo. Esclarece que, como professor, "jamais empregaria essas palavras. Mas os números mostram que o programa de etanol dos países desenvolvidos é mesmo o grande responsável pela alta do preço dos alimentos. E o Jean Ziegler teve o mérito de ter chamado a atenção para um problema muito sério. Ele teve coragem".
Qual o papel do Brasil no processo?
O professor explica: "Por enquanto, nossa parte é menor. Muito pequena. Nossa agricultura não determina preços no mercado internacional. E temos terras disponíveis para plantar cana-de-açucar e também para desenvolver outras culturas. O problema pode estar mais adiante". Para o professor, "a lavoura de cana-de-açucar tem crescido quase 10% ao ano no Brasil. Se esse crescimento seguir no mesmo ritmo por mais dez anos, a área da cana vai dobrar e pode ter efeito sobre todo o sistema produtivo. Pode afetar até o café, o feijão, o suco de laranja".
O professor está mesmo convencido de que os alimentos entraram num ciclo de alta permanente. Duvida de ataques especulativos que estariam jogando os preços para cima. Acredita que a agricultura entrou numa cadeia de aumentos, que se estimulam uns aos outros, de forma quase incontrolável.
Outro dia, o zelador do prédio onde mora contou, surpreso, que havia gasto R$ 7,75 para comprar cinco pãezinhos. Fernando Homem de Melo explicou: "Da próxima vez você vai comprar quatro pãezinhos. Quem comprava quatro vai comprar três. Quem comprava dois, vai comprar um e quem comprava um ficará sem nenhum".
Para o professor, esse é o grande drama da crise atual: "aquela parcela da humanidade que vivia em situação de fome crônica em todo mundo era calculada em 600 milhões de pessoas. Em função da crise atual, pode chegar a 1,2 bilhão".
Pergunta – Muitos analistas dizem que os alimentos estão subindo porque os habitantes de países em desenvolvimento, como China, India, e outras nações da Ásia, estão se alimentando mais e melhor. Mas o senhor diz que a causa é o etanol. Por que?
Homem de Melo – A humanidade está comendo mais e melhor há alguns anos. O ingresso de milhões de consumidores no mercado não produziu alta de preços. O mercado permaneceu estável, com inflação baixa, porque era possível produzir para atender essa demanda. Jamais a taxa de crescimento do consumo de alimentou superou o crescimento da oferta de alimentos. Mesmo o Brasil se beneficiou, elevando as exportações. O grande salto ocorreu depois de 2005, quando o Congresso americano aprova a Lei de Bionergia do presidente George W. Bush. E o que acontece a partir de 2006? A agricultura americana e européia passam a trabalhar na produção de etanol e biocombustíveis. Os preços explodem a partir daí.
Como foram estes aumentos?
Veja a soja. A tonelada estava custando US$ 223 em 2005. Passou para US$ 316 em 2007 e a projeção para 2008 é de US$ 479. Mais de 200%. A tonelada do milho saltou de US$ 82 em 2006 para US$ 212 em 2008. É quase 300%. O trigo disparou: passou de US$ 117 para 234 e pode chegar a US$ 389. Na Europa, o trigo, que é álcool, também subiu. Assim como a canola, o girassol.
Mas por que o impacto foi tão grande?
O governo de George W. Bush fez um programa muito ambicioso. Queria, até 2012, produzir 28 bilhões de litros de etanol de milho. É uma meta extremamente ambiciosa, num prazo extremamente curto. No ano de 2007, o uso de milho para etanol foi de 81 milhões de toneladas, o que equivale a um terço da produção norte-americana. Os Estados Unidos não conseguiram produzir essas toneladas a mais. Precisaram sacar de estoques. E aí o preço do milho disparou, num país que produz, no mínimo, 40% do milho mundial. A pressão foi tão grande que a área de milho aumentou, mas reduziu a área da soja. O preço da soja também disparou. Reduziu a área de algodão, que também começou a subir de preço. Isso eu considero a primeira rodada de efeitos negativos. A segunda causa são os aumentos de petróleo que, nós sabemos, tem impacto em toda cadeia da agricultura de nosso tempo.
E o aumento no consumo de alimentos nos países da Ásia?
Eu acho que isso é desculpa. E é desculpa de gente que quer tirar o foco dos programas de biocombustíveis, que movimentam bilhões de dolares em subsídios e investimentos. Os programas americanos e europeus não tem comparação com nosso pró-Alcool. São projetos gigantescos.
A Argentina proibiu a exportação de trigo, inclusive para o Brasil, para garantir o abastecimento interno. O senhor escreveu certa vez que os argentinos nunca nos trairiam, O que aconteceu?
Sinto até vergonha diante de meus alunos. O que vemos aí é o uso equivocado do conceito de segurança alimentar. A agricultura argentina vai ficar desestimulada, porque o governo está retirando rentabilidade do produtor. Mas o governo está defendendo o consumidor. Provavelmente porque o eleitorado dele é mais consumidor do que produtor. Países exportadores de arroz tem feito a mesma coisa. O Leste europeu parou de exportar trigo. São medidas paliativas, que podem aliviar um pouco a situação interna de um país. Mas não resolvem o problema e só ajudam a criar mais instabilidade no mercado intercional. Boa parte do aumento do arroz deve-se à proibição de exportações.
O governo brasileiro falou em proibir exportações de arroz. Como o senhor avalia isso?
Essa medida teve um lado risível. Ele falou que não ia proibir a exportação de arroz, mas a exportação de estoques. Mas o arroz é arroz, estocado ou não. Então era melhor dizer que proibia exportar – ou não.
Como país produtor, essa crise representa uma chance para a agricultura brasileira?
É uma grande oportunidade. A alta de preços de grãos no mercado internacional pode servir de estímulo para a agricultura do país. Por exemplo: a alta do milho nos tornou exportadores de milho. Isso é muito bom, também, por outra razão. Metade da nossa agricultura de milho é familiar, o que já não acontece, por exemplo, com a cana-de-açucar.
O que o governo brasileiro poderia fazer neste momento?
A melhor medida o governo já tomou, que foi reforçar o orçamento da Embrapa e prever a contratação de 700 pesquisadores. A solução da agricultura é elevar a produtividade por área. Mas isso resolve no médio prazo. No curto prazo, vamos ter o debate entre o governador Blairo Maggi e a ministra Marina Silva. O governador quer desmatar, a ministra quer preservar.
Quem tem razão?
O futuro da agricultura não é o desmatamento. É elevar a produtividade. Mas no curto prazo não tem jeito. Se você quer aumentar a produção, tem de ocupar a área.
Na situação atual, como evitar o crescimento da fome no mundo?
A primeira medida deve ser evitar uma catástrofe. É uma situação difícil, porque o mundo desenvolvido, que criou este problema, precisa se conscientizar de sua dimensão e desembolsar mais ou menos US$ 1 bilhão por ano. A segunda medida seria redimensionar os programas de biocombustíveis. Teriam de ser menos ambiciosos, em prazos mais folgados. Isso ajudaria a derrubar os preços. A longo prazo a única saída é reforçar as pesquisas e aumentar a produtividade.
O mundo vive hoje um consenso em torno do aquecimento global e os bio-combustíveis fazem parte dessa onda. O senhor está querendo inverter isso?
O mundo tomou consciencia do aquecimento global, um problema de longuíssimo prazo, através de um programa de biocombustíveis de curtíssimo prazo. O paradoxo é que em países de alta renda, o custo de alimentos é muito marginal em termos de renda. Por isso não é fácil convencê-los a diminuir o ritmo de seus programas de substituição de combustível. Estamos vivendo uma situação que envolve diferenças entre Norte e Sul, em partilhas de renda.
Se o biocombustível provoca a alta no preço dos alimentos, a humanidade está condenada a assistir ao aquecimento do planeta?
Eu acho que o problema foi querer promover uma mudança tão drástica num prazo tão curto. As conseqüencias e distorções são enormes. Os Estados Unidos deram um passo pequeno para substituir os combustíveis tradicionais. Sua finalidade é usar o etanol para substituir perto de 10% do combustível de sua gasolina. Na dimensão deles, é um passo pequeno. Mas, no mercado de alimentos, produziram esse impacto imenso.
O que poderia ser feito no Brasil, desde já?
Acho indispensável elevar o valor do Bolsa Família. Todas as altas se refletem no Brasil. Ainda bem que o governo deu aumentos do salário minimo maiores que a inflação. Com isso, as perdas são menores. Mas os benefícios trazidos por esse programa pode acabar anulados em função dos últimos aumentos. O governo tem todas as condições de fazer isso. Um aumento no Bolsa Família jamais irá custar o mesmo que uma elevação na taxa de juros. E vai representar a defesa da alimentação para milhões de pessoas.
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